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  • Foto do escritorJonas Muro Gomes

Um "Rato" Brasileiro na Transat dos Franceses (Parte 1)

Mini 34 "Epsilon"


Gustavo Pacheco, o "Rato" como é conhecido no meio da vela, foi o pioneiro oficial do Brasil na Mini Transat, em 2003 - Roberto Holzacker apesar de ter feito o percurso em um Mini antes, mas não conseguiu se inscrever na regata oficialmente.


Rato é skipper de delivery com uma enorme experiência e fez a regata numa das lendas da Classe Mini: o número 34 Epsilon , mesmo barco no qual Isabelle Autissier inspirou toda uma geração de navegadoras Offshore ao vencer a primeira etapa da MT 1987 e terminar em terceiro no geral mesmo após quebras sérias na mastreação.


Quanto a história da epopéia do primeiro brasileiro a completar a Mini Transat, playground dos franceses... o próprio Rato conta!


*


Texto de Gustavo "Rato" Pacheco


MAIS DIFÍCIL QUE VELEJAR, É ESTAR PRONTO PARA LARGAR NA MINI TRANSAT


Pode parecer estranho, mas atravessar velejando o oceano Atlantico em regata e em solitário não é nada difícil, mesmo que na primeira vez. Ao contrario do que podem pensar, uma vez que o velejador conseguiu passar por todas ( e muitas ) etapas de qualificação para a Regata MiniTransat, quando ele se encontra na linha de partida, o jogo já está quase ganho, é a hora de correr pro abraço.


A organização da Classe Mini vem de longe, e as regras muito inteligentemente exigem que o velejador cumpra uma quase infinidade de requisitos técnicos e burocráticos para poder participar da regata. Estas exigências acabam por moldar o estreante solitário de forma que ele esteja apto para a travessia em solitário. É um mal necessário!


Para um velejador que como eu e como o Jonas* não é europeu, é bastante difícil cumprir estas exigências. No meu caso, em 2003, quando participei da MiniTransat, tudo começou ainda no Brasil, quando decidi fazer a regata tendo um suporte inicial financeiro de um grande amigo. 20 mil Euros para começar tudo.

*(nota: Mini 654 "Borrachudo" em campanha para a MT2023)


O passo inicial foi naturalmente a internet, onde comecei a buscar um barco para comprar, junto a isso comecei a ler e reler as regras da classe. Eu tinha um Wild Card (espécie de convite especial) por ser brasileiro e pela regata terminar em Salvador, o que já me colocava mais dentro da lista de inscritos, mas mesmo assim eu teria de cumprir todos os requisitos de qualificação técnicos, só me eximindo da lista de espera para a regata. Sempre tem mais inscritos que vagas para a regata, e com o Wild Card eu já “estava inscrito”, e não precisava disputar a lista de espera.


Fui me aprofundando nas regras da classe. Comecei a fazer meu planejamento para cumprir as exigências de participação obrigatória em regatas na Europa, e para fazer a qualificação obrigatória de 1000 milhas solitário.


Em função do meu baixo orçamento para comprar o barco, eu acabei por listar apenas 3 barcos que meu dinheiro dava para comprar e que eram razoáveis. O tempo foi passando e ficando apertado. Entao, quando estava perto do prazo final para a aquisição do barco, eu optei por um dos três barcos.


Depois de muito contactar o vendedor por internet, eu pedi ao Stephan Vernel, uma amigo francês velejador profissional e que corremos juntos uma Copa Del Rei em 2000 num barco brasileiro, que fosse ver o barco para mim em Brest. Assim ele fez, saiu de La Trinité sur Mer para Brest para me fazer esse favor. Depois de ele ver o barco, conversamos e ele me disse “o barco dá para fazer a regata...” Logo eu combinei com o vendedor de dar um sinal, e que eu finalizaria a compra quando fosse para a França.


O barco que eu iria comprar era de madeira laminada, de 1985, e já tinha corrido 2 ou 3 regatas MiniTransat, uma delas com a famosa velejadora francesa Isabele Autissier. Depois vi que era o barco mais antigo e mais barato da flotilha daquele ano.


Isabelle Autissier no Mini 34, à época "Ecureuil Poitou", chegando em primeiro mas Canárias em 1987


Assim aconteceu, fui para Brest vi o barco no estaleiro e finalizei a compra com uns tantos mil Euros que levei em cash para a França e dei para o vendedor.


Agora eu tinha um barco, um planejamento, a vontade de velejar, e um montão de coisas para fazer até a largada da regata. Essa foi a parte difícil mas ao mesmo tempo prazeirosa. Eu adoro preparar barcos, planejar e fazer as coisas dentro de pensamentos prévios. Eu fui para um pequeno hotel e ia todos os dias de ônibus para o estaleiro afim de fazer as modificacoes e melhorias necessárias. Coloquei lemes novos, troquei algumas ferragens, retirei os tanques , mangueiras e bomba de lastro d’agua interno (um grande erro), retirei algumas camadas internas do laminado de madeira do barco, pois estavam descolando (diminuí em 1/3 a espessura do casco naquelas áreas !), vedei um pouco convés...


No mesmo dia em que o barco foi para a água, eu me mudei para morar nele. O hotel estava me consumindo Euros importantes. Nesse meio tempo eu comecei a ler em francês e a entender um pouco quando o assunto era vela e navegação, eu estava me sentindo mais confortável no meio dos paes, croissants, vinhos e queijos... Estava me adaptando ao estilo de vida francês, trabalhando bastante, comendo pouco como eles e de vez em quando tomando um vinho, e por cima, me adaptando a chuva de Brest, ô lugar para chover !


Fui arrumando o barco sozinho na marina, um dia eu estava fazendo uma troca de estais no mastro no flutuante e veio um francês (Guy Jestain) e puxou um papo em um português estranho de Portugal. Ele era velejador e quando serviu o exercito tinha ido para Cabo Verde numa missão, por isso ele tinha o sotaque bem esquisito. No fim das contas, ele me ajudou muito, se tornou um grande amigo e já veio ao Brasil para minha casa e eu já fui depois para a casa dele em Brest. Acho que naquele dia eu coloquei a luz de tope de navegação toda invertida. Só reparei nisso na primeira noite em que eu saí do barco para fazer as 1000 milhas qualificatórias, quando olhei para o tope, a luz branca estava para a frente, a verde para bombordo e a vermelha para boreste ! tive de navegar entre os barcos de pesca da região a noite assim mesmo, mas deu certo...


Passei e uns 10 dias o tempo que eu havia estipulado da partida para as 1000 milhas qualificatórias por conta da preparação do barco. Eu não me permiti me lançar ao mar sem ter feito tudo o que eu achava necessário no barco e em minha preparação. Mas o lado bom, é que eu me sentia seguro e feliz com o barco. Dei a saída obrigatória na Capitania dos Portos para poder comprovar meu trajeto (uma das exigências), dei ciao ao meu amigo Guy e me lancei para minha primeira experiência em solitário. Estava feliz !


Este circuito do Atlantico para as mil milhas qualificatórias passa pela Irlanda onde fazemos a volta num navio farol (que na realidade não estava lá, e sim apenas uma bóia) desce até a Ilê du Ré em frente a La Rochelle e volta de onde o velejador saiu (no meu caso Brest. Depois de ir até a Irlanda, passar o maior frio, descer e contornar a Ilê du Ré, na volta em calmaria fiquei boiando bem em frente e Les Sables D’Olone, cidade de partida de minha primeira travessia do Atlantico como comandante em 1998, e resolvi então entrar no estreito canal para ir para o porto.


Entrei empurrando o barco nas bordas do canal e remando o que dava, pois não tinha vento algum ! Uma vez lá, tentei trocar a luz de navegação adernando o barco na maré baixa no alto píer do porto , mas não consegui chegar ao tope do mastro e a luz ficou assim mesmo. O fato de eu não falar francês naquela época, me impediu de eu pedir uma simples ajuda para alguém para me subir na cadeirinha e poder trocar a luz de posição.


Na volta para Brest encarei um vento forte, e tive o prazer de poder colocar a storm jib e por no terceiro rizo a vela mestra. Adoro quando temos poucas possibilidades de diminuir pano, sinal que estamos no limite, me sinto seguro e feliz navegando assim.


Aportei em Brest outra vez, e fui ficando mais amigo ainda do Guy Jestain, que me convidou ficar na casa dele, mas preferi continuar a ficar no barco mesmo, pois assim eu estaria imerso na preparação do barco que não acaba nunca. Ali soldei a chaleira do barco, conheci um outro velejador francês, que me deu de presente um spinnaker azul médio em muito bom estado que usei na regata, fui arrumando mais detalhes no barco. Arrumei a luz de navegação !


Foram dias bons na preparação do barco, pois eu estava mais intimo da cidade, e ia também curtindo um pouco o país gaulês. Já ia na feira maravilhosa todo sábado, daquelas francesas que vemos nos filmes mesmo. Já sabia onde era o sebo, onde eu comprei dois livros de navegação da costa francesa, e ia descobrindo as lojas e oficinas das quais eu precisava sempre alguma coisa.


Cruzei denovo com um outro velejador, o Jean Marc Lanusset, que também estava preparando seu barco para a Minitrasat no mesmo estaleiro que eu estive semanas antes. Tinhamos objetivos iguais, terminar as 1000 milhas e terminar 1000 milhas em regatas naquele ano para qualificar. Infelizmente ele quebrou o mastro na Regata Mini- Fastnet, e como eu, que tinha um planejamento enxuto de qualificação, tinha de terminar a regata. Como ele não terminou, não dava mais tempo (milhas) para se qualificar e ficou fora da MiniTransat, uma pena...


Eu havia conseguido cumprir as 1000 milhas em solitário com tudo direitinho, papéis assinados pela Capitania dos portos de saída e chegada, cálculos de navegação astronômica xerocados e enviados a classe para apreciaçao, e fotos dos pontos de contorno.

Aconteceu que minha câmera digital caiu no chão e não focalizava mais, e por conta disso eu enviei fotos borradas do “Navio Farol de Cunninberg” na costa da Irlanda, , Eu estava me aproximando do lugar esperando encontrar um belo navio farol, daqueles que a gente só conhece dos livros velhos, e para minha surpresa só existia uma bóia luminosa. Reportei isso a Classe Mini, mas eles nem ligaram. Acho que já sabiam disso, mas não davam importância e não advertiam os futuros ministas. A classe Mini é bacana, mas tem dessa coisas, bem que poderiam avisar que apesar do nome, só iriamos encontrar uma bóia e não um navio.


Depois dessa primeira etapa cumprida, eu ia entrar na fase das regatas. Pelas regras, o velejador tinha, na época, de cumprir 1000 milhas em regata sendo 400 delas em solitário.

(nota: hoje esses números foram mudados para 1500 e 500)

Na minha programação, que eu havia feito a meses atras, eu iria participar de apenas duas regatas que perfizessem essas mil milhas.


Em dupla seria a Mini Fastnet, e depois sozinho da Trans Gascogne, regata que sai da França até a Espanha, para em Gijon e retorna.


Encontrei o tripulante para a regata Mini Fastnet pela internet, o Yan Aubry de Montdidier. Ele teria de vir trazendo por si um TPS (vestimenta de abandono e muito cara), seu cinto de segurança e coisas assim. Não é fácil encontrar esse perfil de pessoa, mas ele veio, e umas duas edições depois da MiniTransat ele fez a sua regata solitária através do Atlantico! Ele estava ali aproveitando a experiência para sua própria participação numa próxima regata.


Largamos bem em Douarnenez, e no vento fraco de contravento, como meu barco era leve e fino, conseguimos acompanhar os outros barcos até a ilha de Ouessant, na ponta oeste da Bretanha.

Depois o vento aumentou um pouco e aí eu comecei a ver que meu barco não tinha muita estabilidade, não aguentava muito pano em cima. Na ida para o Farol de Fastnet depois de Ouessant, por alguma razão eu comecei a passar mal. Fiquei tao mal que tive de literalmente entregar o barco ao meu tripulante. Eu fiquei completamente sem energia, e tive de falar para ele: “Agora o barco é seu, toca como der, só não coloca o spinnaker”, e literalmente apaguei.


E assim foi até um pouco antes de chegarmos ao mítico farol. Acordei, contornamos o Fastnet ainda embolado com alguns barcos, e na próxima perna com vento meio de través, o barco por eu ter tirado o lastro dágua, não aguentava pano. Enquanto os outros barcos colocavam seu spinnakers pequenos, tínhamos de andar de genoa, não tínhamos estabilidade. Víamos os barcos nos passando e nós sem recurso, um desastre.


Neste momento comecei a pensar e relativizar onde eu tinha colocado meu dinheiro, achando que havia feito um mal negócio (e que nos anos seguintes se mostrou ao contrario). Muitos barcos nos passaram, eu estava desanimado, o ventou depois acabou. Seguimos velejando como dava pois para me classificar tinha de terminar a regata, Terminamos em último !


Continua na Parte 2...

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